Esta luz não se apagará
Se olhasses para mim naquele momento verias a luz que em mim se acendeu, um momento a tender para o perfeito, um momento que deveria ocorrer frequentemente, uma luz que se acendeu e que devia perdurar e não se apagar. Esse momento foi o ideal, como tantos em outras situações ocorrem, mas muitas vezes ‘tirados a ferros’ porque o natural, em mim, é ter outro estado de alma, uma alma com penumbra, mas que anseia sempre por esses momentos de luz. Esse momento foi um novo folgo, nem que o seja por um momento na vida; foi um crescer de autoconfiança, nem que seja passageira; foi um retemperar de uma calma que teima em não ser contínua, mas breve; por momentos eu fui quem não tenho sido, a ilusão de um sonho tomou conta de mim e na realidade e fez – me estar ‘on’. É formidável quando a dualidade corpo - alma se encontra, quando o nosso ser físico responde em consonância com os objectivos da mente, e ai encontramos uma coerência na consequência que se dá. É certo que tento encontrar a luz a cada dia que passa na minha vida, sempre o fiz, mas não sem que as adversidades sejam maiores, há medida que essa luz me ilumina mais intensamente. Nunca há o bem sem o mal, nem a bonança sem a sua contrapartida. Se me perguntasses porque é assim, porque não tem tudo de tender para o equilíbrio, para o entendimento e para a busca do que nos corresponde (?), eu te diria que, infinitamente, me pergunto a mim próprio porque é assim (?), desde sempre, sem ter uma resposta clara diante de meus olhos. Acredito que ainda vou ter pelo menos uma resposta razoável com o tempo, que por sua vez desejava que não me trouxesse contrapartidas negativas no meu ser e na minha vida, porque tudo a que respondo traz a adversidade que me tenta consumir mais rápido do que o normal. E eu podia abominar o mundo da adversidade que me envolve como abomino, mas de nada adianta a não ser para minha maior perdição e dificuldades, a manifestação clara e inequívoca dos nossos sentimentos são a nossa destruição, visto que ficamos vulneráveis aos nossos inimigos e adversários. Eu tenho que agir com muita inteligência esperando que a sorte me bafeje, isso sim. Eu tenho paciência, muita paciência, como sempre tive, mas o tempo já é de desconto, quando estava a meu favor já passou, começo a ter mais consciência disso. Já construi a minha vida até onde a pude construir, já tive o mundo em aberto para mim, agora tende a fechar-se rapidamente, não tenho ilusões, resta-me viver trabalhando a minha vida a partir da minha formação, daquilo que construi, não tenho outra vida. Pensava que eu era o melhor, melhor no sentido de bom, pensei que havia muita gente boa, mas estava completamente errado em relação a essas duas ideias; descobri a relatividade do que significa ser bom ou mau, a efemeridade do ser e dos ideais. O esforço por encontrar o eldorado da existência humana, da minha existência, em particular, é uma tarefa que pode ser tão recompensadora como absurda. Depois de eu partir, tal como acontece ainda na existência, não depende de mim a manifestação do que eu agora digo, o sucesso das minhas palavras; a filosofia vã, de quem um dia teve fé de que, fosse como fosse, nós merecemos continuar a existir e a lutar por isso. Descubro a cada dia que passa o desentendimento e a incompreensão que grassa pelo mundo, descubro as provas concretas de algo que há muito era claro para mim, a perenidade e a inconstância do ser, sim, mas a continuidade da obra só talvez se… o que nos ultrapassa o permitir.
E, então, amanhece mais uma vez. Agora, se as minhas palavras valessem neste mundo, então elas seriam de destruição. Mas porque eu quero destruir maus e bons, os maus que fizeram mal e os bons que me tentam ajudar? Sim, esta pergunta é fulcral no momento que corre na minha vida. Eu devo-me revoltar contra quem me faz mal e não continuar a senda dos maus tratos, porque me trataram mal a mim. Assim, eu penso que… aquele fez-me mal é a ele que eu vou destruir. Eu não consigo diferenciar bem quem me faz mal e me fez bem neste momento – mas já foi muito pior -, porque estou toldado de raiva e frustração, doença e confusão. Assim, uma voz se levanta e diz: tomba tu ó excelsa pessoa, fruto da inteligência régia, sabedor de tudo e de todos os tempos, falsa és, fingidora, todo este tempo, vulcão eruptivo de sofrimento para quem te ama; Tu! Que espalhaste o teu ódio e insensatez, recusaste a humildade de ser humano nobre e me fizeste pisar as cinzas da tua ira, acreditando, por tuas ideias falsas e dissimuladas, que nada seria em vão, que isso me faria mais forte, sacrificando-me em nome de Deus, de quem eu conhecerei mais do que tu. Tu! És a perdição de ti próprio! Eleva-te ao mais alto dos céus e deixa-me viver. Porque eu retiro o suco do que de melhor tem os meus inimigos, eu me fortaleço e eternizo a cada dia que passa, nesta loucura desenfreada de quem tem uma voz apagada mas cheia de sentimento vindo de uma alma abafada. Eu te deixo fervilhar o veneno em teu corpo para que te destruas. Ao meu lado caiem gregos e troianos, levantam-se tempestades defronte de mim, persegue-me as inundações, e a mais bela-luz do sol é horrível para quem ousou fazer o que não devia ser feito. Eu mesmo me rastreio constantemente e sei que puro não serei, nunca, porque sou uma vara de uma videira impura, à espera de enxertada na boa planta. Anseio, um dia deixar de ser carne, e ser a energia das estrelas, deixar a mediocridade, a incompreensão, as desavenças, de quem não se quer em paz, porque eu fui roubado da minha dignidade. Mas tenho a certeza que continuarei a ter estas luzes, que tal como a de hoje, não se apagarão.