Discorrendo
Começo discorrendo, como sempre. O Universo já me conhece. Mas acho que as pessoas ainda não. Em que acredito já não me interessa, muito menos interessará a alguém. E é esse mesmo, alguém, que me tenta caracterizar de néscio. Mas, néscio, eu não sou, não me considero tal, apenas poderei ser, sei lá, apático, aparentemente indiferente. Indiferente como quem aceita o seu destino, cada vez mais. Indiferente como quem perdeu a capacidade de reagir, como quem compreende, muito, e nada pode fazer. Nascido na escuridão, crescendo e vivendo na sombra, talvez a esperança seja o móbil último da existência, aquilo que me move, e já nem falo pelos outros. Mas não tenho que morrer na sombra, morra como morrer. E já não há revolta que dê a volta ao que não tem volta a dar. Por isso silêncio - me. As vozes submergidas não têm direito a manifestar-se. O conhecimento não faz sentido, se o feedback do mundo não chega ao nosso espírito. Há que mudar de paradigma, mas até os paradigmas se perdem. É um desencontro constante. E nem que atinja o infinito, jamais passarei de um homem. Homem sobre homem. Pedra sobre pedra. Que restará de mim? Que será feito da minha moral, dos meus desejos e do meu ideal? Será um erro partir? Ou sê - lo - á ficar? Irá o mundo acabar ou irá continuar? Não me compete a mim dizer algo sobre isso, mas cabe-me questionar também. Tudo é como se vê, como se vê na globalidade do alcance da nossa visão, quer na nossa acuidade ocular, assim como na acuidade espiritual, e simultaneamente nada é. Para tal eu fecho os olhos, ignoro, abro a minha alma, perco-me nos sentidos, como se ainda os tivesse. Mas tenho, a minha mente alcança-os. E estes cultos, tudo o que me leva a estar do outro lado do muro transparente onde oiço, vejo, e não posso participar, esta tortura de receber sem ter espaço para dar segundo o que sou, esta incapacidade de retribuir, de fazer parte do clã, da união. Este culto da imagem e da personalidade e das palavras… não sou capaz. Acreditar é preciso, um lema que não me convence, como de uma promessa eleitoral se tratasse. A humanidade pode, há que acreditar. E a verdade é que não há humanidade, há homens e homens e homens sem fim, até ao fim deles. Há um elo, e há uma voz que se levanta mais alto. Nós, surdos, passamos o tempo a arranjar explicações para o que nos acontece, procuramos a causa do efeito, brincamos com a causa para ver efeitos. Procuramos os culpados, também, como se os houvesse. Simplesmente soltamos o homem que há em nós de alguma forma, de algum modo quando vivemos mais um dia, nem que esse dia seja num calabouço onde a alma está presa, presa em mim. E o perigo é real, não é imaginário. Pensamos que percebemos, mas não percebemos, é-nos dado a perceber em determinados momentos como a água que nos dessedenta, essa sede de perceber, até o orgulho fazer-nos esquecer quem somos. Eu sei, eu estou errado, só tento soltar o homem que há em mim, discorrendo.