Falhado
Faz muito tempo que não escrevo. A apatia e desânimo tendem a tomar conta de mim; já não vejo um mundo imenso à minha frente, aquele mundo que me parecia possível de conquistar, de imensas possibilidades e onde cabia a minha possibilidade. Onde está a motivação de outrora? Aquela que me fazia ter esperança, aquela em que me fazia acreditar na tolerância, numa terra em paz e em liberdade, onde a minha paz e liberdade era possível. Agora vejo a vida do tipo de um jogo de copas, onde revejo a metáfora da minha vida, por mais que tente só consigo ganhar 1 em cada 4 jogos, por mais que tente…. Muito ocasionalmente, tenho uma pequena sorte eclipsante de ganhar 2 seguidos, mas quantos jogos e quantos, eu não tenho perdido seguidamente sem ao menos ganhar um. Com este pequeno exemplo, tenho a indução de que [tenho em mente que] não podemos quebrar as leis da vida, nem do Universo. O problema existencial parece-me ser o grande problema da minha vida do qual já não vou sair, muito provavelmente, se bem que me resta alguma esperança na medida do tempo que me restará de vida, mesmo sem saber qual é esse tempo; O problema de acreditar em coisas como certas, como factos, sem na realidade os poder provar, talvez jamais o poder provar traz-me uma frustração, terem-me posto na mente uma ideia que se cimentou tão fortemente que não se pode transformar, a de Deus, a da existência do correto, do bem [e do mal], uma prisão que nos acorrenta para a vida segundo a vida de Cristo; Ideias que ficam em nós [que ficaram em mim] de medo, muitas das vezes sem fundamento, a cobardia pelo medo da injustiça, quando a injustiça faz parte da casualidade dos acontecimentos, das leis da vida e do Universo, tal como as leis do jogo das copas. Pergunto-me se o que sinto é real (?), no sentido de que tudo isto que se passa em mim e comigo tem um propósito; Terá um propósito que eu nunca poderei compreender? Que desgosto traz a minha ambição; porque não serei um ser normal (?), com vontades comuns aos outros humanos, com desejos limitados, satisfazendo-me com respostas imediatas, com a ilusão de uma criança que se contenta com o comum, bastando o sentido do sentimento de que só o que se vê é o que existe. Com o que sou marginalizo-me e marginalizam-me; marginalizam-me esses, os comuns… ‘’idiotas’’, penso, ‘’a vossa vida é de escravidão, tendes um espírito pequeno de mais’’, e no entanto sou igual a vós porque sou feito de material perene; oh! Se o que vai na alma realmente contasse da grandeza de uma pessoa e fosse fonte e força de sobrevivência! O quanto eu quis desde sempre ser grande e sentir-me bem, mas, quão errado estava, com esse desejo de sonhador, quando, afinal, sou de carne e osso, feito de matéria finita, suscetível de dor, com a necessidade de ligação aos outros seres; ligação, essa, que não consigo ter, fazendo-me trilhar por estes caminhos solitários, insatisfeito, guiando-me pelo paradoxo de desejar o contato com o outro e ao mesmo tempo só me parecer que o outro me faz mal, como o inimigo, como o diabo que me tenta estragar a vida. É certo que sou um ser incomunicável, onde quase que só existe o sentido direcional do tragável, da absorção, da assimilação descontrolada; na minha pessoa não há diálogo, não há expressão do meu ser; além do mais pensava que compreendia as pessoas, mas quando estou com elas não me parece isso, e vejo que sou eu que não estou a perceber o contexto e a agir em conformidade com o que me envolve; não ajo como as sardinhas que se movem em uníssono, como as aves do céu que dançam harmoniosamente em bandos; sou um ser solitário, como os seres solitário que vagueiam por esse mundo afora, tímidos, não sociáveis, com estratégias de sobrevivência fantásticas, vivendo em habitats inóspitos para a maioria dos seres, tendo características únicas. Penso ainda que tenho uma compreensão do mundo especial; mas como pô-la em prática? Como tirar proveito disso? Como sentir-me bem com o que sou e o que sinto? É certo que as pessoas não são todas iguais, más, como pode transparecer da minha ironia de escrita, do exagero daquilo que de mal sinto em mim e na minha vida; só que não compreendo porque vem a mim todo um conjunto de sentimentos que não queria ter com os outros, uma vida de mal-entendidos constantes. O legado que me deixam não me agrada, não quero ser um falhado, não quero morrer em vão, não quero a injustiça, sobrevivo na procura da paz de espirito, de jus. Assim, digo que extrapolo aqui (nesta escrita) ao máximo aquilo que sinto na verdade, na tentativa de que o mal não aconteça na realidade externa a mim. Senti-me perdido um dia, nada mais fazia sentido, não havia comunicação com o exterior, restou-me a juventude, que me traz aqui ainda, para prosseguir, e a internet para me restaurar; pergunto-me se não viverei na mesma uma ilusão, a internet não me dá as capacidades de comunicação que nunca desenvolvi, a oralidade, a relação humana, o ‘cultivar dos olhos nos olhos’; será que escrevo para o vazio, tendo apenas ecos de silêncio, pensando que estou fazendo bem a mim mesmo quando apenas estou a desperdiçar o tempo? Falhado não sou, não, não sou, sou um camaleão que se tenta disfarçar no meio ambiente, ou um ser que se fecha na sua carapaça superforte para se proteger porque a natureza não deu outros meios de proteção. Não, falhado não sou! Porque, afinal, vivo há mais de trinta anos, e isso me torna um ser abençoado, conhecedor e sabedor; sou um ser bonito, magnífico, com uma história de vida e um destino que só o Universo pode saber o porquê de ser assim. É o sentido desse destino que fortemente me condiciona!