Grita comigo
Recolhido neste antro, oiço subitamente, o relógio tocar. Toca o peso das horas imponderáveis. É imenso o peso que recai sobre esta esferográfica, onde cada palavra é escrita sobre imenso esforço. Meço cada frase, que é olvidada quando se procura uma mais sobranceira. E tal como o som que o sino emitiu, que veio do vazio – para lá voltar-, assim sinto cada oração escrita, vazia de sentido. Como encontrar uma mais proeminente? Como superar-me a mim mesmo? A busca da perfeição não tem sentido, somos limitados por natureza.
O mundo desabou sobre mim. Esta cogitação deixou de ter pés e cabeça, o pensamento não é linear. Sinto em mim o grito cavo e próximo da noite, tentando aliviar o âmago em letargia. Sim, já não sou eu que grito, porque mais não consigo. Mas há algo que grita por mim. Tenho medo de cada palavra que profiro, que ela me seja pungente, melhor, tenho medo de mim mesmo. […] Tenho medo dos meus próprios pensamentos. Sou uma máquina infernal que se consome lentamente. Todo eu sou efusão de sentimentos recalcados, tudo a manifestar-se ao mesmo tempo. E nada consola este coração despedaçado, abandonado como gota de água no deserto. É nesta fugacidade que tento reencontrar o equilíbrio.
No silêncio das horas procuro uma luz que ilumine o meu caminho, transeunte que sou, nesta vida sem destino. Proclamo a lua e o sol como renovadores de esperança, que os seus raios de luz desçam em abundância. Procuro com avidez pormenores despercebidos com os cinco sentidos. Quero espaço, quero ar, quero mar, quero chuva, quero descansar, acordar, ver estrelas a brilhar, preenchendo o vazio sideral.
OBS: Este texto foi originalmente escrito nos anos 90.