Despido de mim
Despido dos preconceitos e dos estereótipos, único, logo original e inimitável, este sou eu: quando só me encontro com as palavras, com a minha alma e a minha consciência, quando afastado do que é físico, absorto, não prestando atenção ao que me envolve proximamente (talvez já conheça esse espaço), afastado das emoções – longe do bater do coração que nos domina, na realidade – e de uma aparência que me contradiz – como se eu fosse um ser humano horrível; com o passado na minha mente e com a extrapolação das minhas experiências - que não podem ser manifestadas de outra maneira senão por esta -. Dispo-me, a miúdo, deste mundo externo, das sensações envolventes, para ver mais além das coisas, para penetrar no mais profundo do meu ser, onde as regras são as minhas (e talvez, muitas delas, sejam as do Universo), onde estou em sintonia com uma energia poderosa que envolve e ao mesmo tempo está em todos os seres, o Universo no geral. Energia, essa, que tudo move, a essência da alma, a sintonia dos seres que existiram, existem e hão – de existir. Dispo-me aqui e agora, assim como o faço em muitas ocasiões da minha vida, dispo-me perante os desconhecidos, e conhecidos, se os houver. E então sou mais psíquico e metafísico do que físico (e não sei se serei um ser ou uma entidade transcendente), e só assim as pessoas me podem conhecer - se é que alguém me conhece - as privilegiadas, se é que há algum privilégio em mim, como se um ser sagrado se tratasse - se é que há algo de sagrado neste mundo ou no Universo, ou então é tudo sagrado -. Despido de mim, eu domino em vez de ser dominado, eu sou rei e não sou servo, sou forte, porque não tenho aparência - e o inexplicável e desconhecido gera admiração e temor -, e estou nuzinho de todo, como Deus nos põe no mundo. E desculpem a soberba, agora. Na verdade, quando não estou despido ando roto e esfolado, com o cabelo desgrenhado, todo desalinhado, com fome e com sede, como se até o próprio trabalho me fosse negado, como se o mundo não me pertencesse e tivesse que pedir licença a alguém até para respirar. Aqui estou eu, agora como tantas vezes, este sou eu, esperando que o mundo me abrace até ao fim, esperando simplesmente, sem fim, até quando acabar. Porque há um princípio e um fim, que será quando eu não puder voltar a vestir – me. E vou como vim.