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“Ouvre la porte et rêve....”, Daniel Hechter. Abro as portas do passado e revejo, entre névoas vespertinas, aquilo que sou e aquilo que fui. A primeira ideia que me surge , frente aos meus olhos, era o ideal utópico que me movia: a busca da perfeição. - Talvez um objectivo demasiado alto e que me tem saído caro. Quis subir sem olhar ao equilíbrio, à estabilidade dessa subida e às tantas caí nas malhas tecidas pela vicissitude da vida, na dura rocha da realidade - Pensei que seguia o caminho certo, e falhei.
Tudo tinha vida para mim, as penedias dos campos, o ar que respirava, a terra que absorvia com o olhar, só que... na realidade, não tinha amigos. Não convivi suficientemente com pessoas -Só consigo pensar negativamente...tenho que ver as coisas boas da vida. Mas em cada veleidade surge-me a antinomia.
Recomecemos, sem pressas - Tudo o que escrevo é como alguém que me fala, apesar de isto ser um solilóquio. Solilóquios é o que sei fazer. Mas recomecemos, recomecemos até tudo ficar como a gente quer.
Estava um dia quente de Verão, não sei a temperatura, na altura não sabia ver temperaturas, não sei se já teríamos termómetro em casa, mas a certeza de que estava um dia quente isso estava, pois desde que há memória todos os Verões são quentes, mais ou menos. Estávamos no primeiro dia do resto da minha vida.
Era tempo de renovação da esperança, como em todo o tempo em que mais uma vela se acende na vida. Mas esta não tinha chama viva , era uma chama bruxuleante que teimava em não vacilar. E essa chama tornou-se viva, pelas tagatés que o sol emanava, pelo afago que a brisa do vento trazia, pelas lágrimas que foram derramadas pelas nuvens, pela força do calor que traz a vida em si, como uma potencial semente de centeio a germinar em terreno escabroso. Já mais tarde quando a espiga aflorou, depois de muitas noites passadas ao relento, longe da gregaridade da vida, tendo só a Lua e as estrelas como companhia, chegou a hora de ver a luz do dia. E o dia alvoreceu num mar de brumas, como se o dia fosse a noite, tendo a noite como dia. Mas o tempo não parou por haver tal choque, e a espiga deu as suas sementes que se disseminaram para o novo ano que viria inexoravelmente.
Passados 5 anos, caminhado por entre córregos e roças, assim se passou a segunda parte da cena. Dias mais aprazíveis se encontraram, nesta parte. Reminiscências, trazem ao de cima dias passados com o garotio, ora com uns ora com outros. Um dia com uns a guardar cabras, outro eu a guardar uma cabra, sozinho. Outro a deslizar alegremente no gelo desde manhã até já plena tarde com outros, sem almoçar - até a gente se esquecia -. No Verão aquelas idas até à ribeira tomar um banho e as escapulidas que fazia frequentemente até casa dos meus primos. Mas sempre aquele sentimento de nunca estar pleno de gregaridade.
A terceira parte da cena leva-me à socialização. Mais 5 anos desde então, tudo corria de vento em popa, lá de burro eu não tinha nada! E nesta fase passaram 8 anos. Todo o meu mundo crescia aos poucos - O meu mundo sempre cresceu muito devagar -. Neste decurso conquistei cerca de 30 km de terreno, singrando dia após dia, em autocarros barulhentos, uns com mais lugares, outros com menos, uns mais bonitos do que outros. Vi crepúsculos do alvorecer e do anoitecer, vezes sem conta. Vi geadas e neve a cobrir os campos, vi-os a esverdear e florir. Tudo fluía suavemente. Sonhava com os dias de neve em que tinha que ficar em casa e não ir para aquela rotina que era a escola. E parece mesmo que era fruto do desejo, em tempo propício, aquela neve que vinha, cobrir alvarmente os campos e extasiar a alma trazendo a calma. Mas também me lembro de sentimentos maus que me vinham povoar a alma taciturna. Do fundo do âmago vinham-me emoções desmedidas que eu não conseguia compreender - Relembro-me agora que a primeira fase foi infrutífera socialmente. Aquele vazio que me arde constantemente nas vísceras -. O isolamento ia galopando, a minha vida era escola e casa, apesar daquele manancial teórico que tinha da vida, faltava-me o expediente prático. E foi no culminar desta fase que tudo passou a ser menos risonho. O medo de encarar a vida, isto é, as pessoas, surgiu. E procurando colmatar esta sensação de vazio, esta confusão de não compreender, eu procurava compreender e comecei a correr - a fugir direi eu agora -, distanciando-me cada vez mais de mim próprio. Chamei por alguém no vácuo da noite e nem o eco consegui ouvir para me alentar. Refugiei-me nas bebidas inebriantes onde tudo tentava esquecer, tudo o que sofria, mas acabei por começar a esquecer os bons e os maus momentos. Isto na fase de transição para a 4ª parte da cena.
Nesta parte tudo é sensabor. A noite como refúgio e o dia como pranto, onde a alma anda a monte, já faz muito tempo. Pouco há para dizer. Resta repetir que fugir é o mote que me faz mover, distanciando-me cada vez mais de mim, devagarinho. Fujo de mim, não encontrando ninguém que me dê a mão. Quando ma estendem recuso-a, porque não acredito na boa vontade dos homens - Mas ao dizer isto nego a faceta positiva que está em marcha. Fui eu que me meti nisto, sou eu que vou ter que sair disto, devagarinho, tendo sonhos cor-de-rosa pela frente, para ser mais fácil -.
Dia não são dias, diz-se . Hora não são horas e minuto não são minutos, digo. A perda de um segundo prolonga-se por tempo indefinido consoante a perda for grande ou pequena. O que passou, passou. Deverá pelo menos ser assim. A dor tem que passar mais cedo ou mais tarde. E diz-se ainda que o pouco espanta e o muito quebranta. Tudo passa mais tarde ou mais cedo nem que os dias pareçam anos, da melhor ou da pior maneira, ou melhor o pior nem chegará a existir, existe apenas o menos bom, a que chamamos “pior”. Seja como for a relatividade de Einstein estará sempre em voga, para mim, eu que agora estou bem para num momento a seguir estar menos bem e dizer que estou pior. Os dias passarão...
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