Fugindo da escuridão [ainda /(e/ou)/ para sempre]
Eu vivi na escuridão, literalmente: Os meus primeiros dois quartos eram escuros, não tinham janelas para o exterior – nunca contei isto acerca da minha vida. Cresci, bastantes anos, demasiados e importantes anos, sem saber quando amanhecia, sem a alegria de ver os dias que chegavam, a chamar-me. Acordar era como entrar num pesadelo, mais ainda, quando, ainda para mais, em vez de encarar com a luz a entrar pelo meu quarto entrava um vulto com uma voz estridente e sem sensibilidade para me chamar, pelo menos normalmente, já que não fosse com calma ou com ânimo, de que tinha que enfrentar, ou melhor ‘Fazer isto aquilo ou aqueloutro’ em mais um dia. Na verdade eu deveria era ‘abraçar’ [esse devia ser o direito da minha pessoa enquanto criança] e não ‘enfrentar’ mais um dia, estando eu na idade em que estava. Dou comigo por vezes a lembrar-me, vivamente, desses sentimentos que me assolavam e a compreender o que sinto e sou hoje, desses sentimentos que fazem parte de mim, em grande parte, ainda hoje. Assim, ainda continuo com as mesmas questões da altura: porque tende o mundo a fugir de mim, a calma, o que há de belo e a liberdade? E porque tende a depressão, a tristeza, a melancolia, a fraqueza de espirito a perseguir-me? Porque me persegue a escuridão? A minha contrariedade é grande, e é grande a quantidade dos meus desejos frustrados. Dei por mim, neste ultimo ano, a descobrir mais mundo através da internet, a descobrir muita da luz que me envolve, a natureza do resto do mundo que não conhecia, um grande resto do mundo natural que eu defendia sem nunca o ter visto, e tenho visto muito do social. Com isto tudo busco a luz do bem-estar da minha vida, mas, sinto que tudo me foge muito mais rapidamente também. Trabalhei aproximadamente 10 anos de noite. Até essa altura, que comecei a trabalhar de noite, a minha situação era má, para não dizer de ‘prognóstico’ péssimo: Eu não tinha grandes expectativas nem sabia por onde sair da situação em que estava; com muito pouco dinheiro e sem saber o que fazer para conseguir ganhar a vida, dada a situação de saúde mental em que me encontrava; foram anos difíceis, pelo menos os primeiros 3 anos que se seguiram. E assim, mais uma vez, quando comecei a trabalhar de noite, a escuridão me envolveu, mais uma vez eu senti que estava só no mundo e que estava como um barco à deriva em alto mar, e me fez querer que sou um ser solitário; desta vez eu poderia apreciar o nascer do dia que tanto tinha perdido na minha vida, mas, na verdade, eu não o apreciaria porque o dever de cumprir o meu trabalho não me deixava lugar para ter as minhas sensações, eu tinha que ganhar dinheiro, eu tinha de aguentar todos os nervos que me consumiam, eu tinha que aguentar [pensei que explodiria de tão louco estar, além da loucura que já tinha], não podia pensar em bem-estar, de ver os amanheceres calmamente, que estavam defronte a meus olhos; ‘Que será de mim? Aguentar-me-ei muito mais tempo aqui? Que farei se não me aguentar aqui (?), irei caminhar erroneamente para sempre, decerto…(?)’. Até que nos últimos anos (talvez os últimos 4) eu os pude apreciar, os diferentes amanheceres que se mostravam em toda a sua beleza, já com mais calma, algo em mim mudou, idealmente e fisiologicamente. Pensando agora nessas noites, em que tudo toma um movimento diferente, e provoca uma maneira de sentir diferente nas pessoas (julgo assim pela maneira como eu senti), uma acalmia, uma alucinação, que me levou a aprender o que nunca julguei aprender na vida. Durante esse tempo eu li, li muito; Eu pensei e reflecti, muito; eu me compreendi, e muito. E, ainda assim, apesar da compreensão, da acalmia etc, não aprendi a ganhar dinheiro na vida activamente, a virar meus pensamentos para a economia e subsistência; A minha subsistência não está periclitante a curto prazo, mas a um médio - longo prazo ela poderá estar seriamente em causa. Estou a envelhecer, tenho medo de perder ou de não conseguir aguentar o espirito de juventude que gostava de continuar a ter, os hábitos de ouvir música, ver um filme, mas ao mesmo tempo tenho que fazer algo para que não entre em miséria um dia, não posso perder tempo só a olhar para o computador, a curtir a música e as belas imagens, tenho que ser produtivo e ganhar com isso. E eu não estou bom, estou melhor, apenas, e tudo isto que digo é relativo.
As minhas dificuldades sociais sucedem-se. O tempo passa e eu fico a perder no que diz respeito à sociabilização, mesmo este tempo de escrita me parece perdido por vezes como se fosse um monólogo fútil. Desabafo aqui e não me adianta, mas pelo menos ‘lanço as sementes ao vento’. Nestes dez anos de trabalho nocturno eu senti uma força estranha que me fez evoluir e compreender a um ritmo que julgo estar a perder ao longo deste último meio ano. As sensações que tive nestes dez anos de vivacidade sentimental foram as mais díspares, diversas e com intensidades variadas, com os horários de sono diurnos, quando trabalhava, e quando de folga, tudo se mesclava entre o cansaço, a troca de sono e de regime e horário alimentar; os sentidos tomavam e captavam novas sensações as quais eu tentava compreender; a música acompanhou-me neste tempo todo: houve a redescoberta das músicas que me marcaram enquanto jovem e a entrada no ‘mundo’ dos novos sons que a rádio me ‘servia’ no dia- a -dia, coisa que tende a desaparecer [terei eu começado já a decadência?]. A minha memória funciona de uma maneira que não se adequa a ambientes sociais complexos, e até minimamente complexos. A maneira como o meu cérebro interpreta as coisas até pode ser válido [em certas situações], e a mim parece-me que é, mas não é adequado às interacções sociais que diria que são normais, e adequado à sobrevivência económica. Eu provoco o meu afastamento dos outros; num mundo de expressão como é o nosso eu sou inexpressivo e mal-entendido quando tento me exprimir, eu sou diferente e não aceite, não compreendido. Eu não domino o que me envolve de modo a eu me adaptar ao que me envolve e o que me envolve se adaptar a mim. Eu vivo na incoerência do agir, ao contrário da norma, eu fujo dela e a vejo do lado de fora, eu os vejo interagir e com surpresa não me identifico com eles, e, eles me marginalizam, porque não querem compreender a escuridão.