Eles e os outros
Para uns as coisas são mais simples do que parecem, mas as coisas não serão assim tão simples, para outros. Uns querem passar despercebidos, e andam desapercebidos, outros querem a exposição e querem ser vistos, ah, mas eles sabem acautelar-se. Uns acham que não merecem o que têm, mesmo que não tenham nada, outros acham que deviam ter muito mais, tendo tudo. E eles tapam os olhos dos outros, com filtros, para que não os vejam completamente, para só serem vistos como eles querem. E eles fingem, para enganarem os outros, os desprevenidos. Eles apontam o dedo aos outros, para desviarem a atenção sobre eles. E eles classificam-nos com uma pseudo -sabedoria que lhes foi diplomada. E os outros calam-se por que não têm armas para lutar. E eles fingem que querem ajudar, mas na verdade eles querem é governar-se e viver da dor do próximo, que para eles não é próximo, é mais um número, um conjunto de reacções que devem ser tratadas com aquilo que eles dizem que faz bem. E eles metem-lhes medo, fazem-nos acreditar que aquilo que eles sentem é verdade, metem-lhe mais medo, e os outros acreditam neles. E eles dizem que tudo correrá bem, tem é que seguir o prescrito. E eles estudam – os, e só vêem aquilo segundo o que o diploma lhes atribuiu, e eles só vêem defeitos neles. E eles ignoram – os. E eles escrevem grandes relatórios onde os caracterizam até ao ínfimo pormenor, e eles vão mais além ainda mesmo que tenham encontrado paradoxos, eles persistem, é a vida deles que está em causa, a deles acima de tudo. Escolheram uma vida para a qual pensavam que era a que eles desejavam, mas para o qual não têm tacto. E eles estão sempre certos, os outros que se opõem é que estão errados. E eles unem – se e formam uma força que até parece ser a da legião da verdade. E só eles sabem criticar. E eles utilizam todo o apoio que têm para penetrar no tecido fraco, mas não o querem matar, deles depende a sua sobrevivência, apenas deixa –los zombies. Eles pensam que ajudam, se calhar até estão convencidos disso – um homem age segundo aquilo em que acredita – mas chegam a um ponto que têm de defender o emblema, porque essa equipa é forte e dá-lhes prestigio, não conseguem sair da merda em que se meteram, a droga da vida. E eles então chegam a um ponto que deixam de saber, frente ao paradoxo em que se encontram, mas inventam coisas sobre os outros, apontam o dedo aos outros. E os outros rendem – se, uns tornam – se como eles, se calhar, para confirmar a tese, acreditam que sim, e outros calam – se para sempre, porque a sobrevivência assim lhes faz agir. A revolta não se quer neste mundo novo, não pode haver o excesso nem a escassez, tem de haver a concordância, o diálogo ameno, a busca da perfeição. Hitler já não existe, mas a sua atitude continua por ai, de uma maneira muito mais sublime, o apuramento da raça, a humanidade perfeita. A ciência protege o homem, mas a barbaridade das suas experiências continua. E a eles é permitido tudo, todas as suas acções são aplaudidas, tudo mete graça. Aos outros, os seres sarnentos, até o sorrir é uma doença. Mas quem são eles? Eles andam lado a lado com os que não têm nada, vivem com os outros, mas como eles têm tudo, dizem que está tudo bem e no bom caminho. Eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles vivem, os outros sobrevivem. Que não caiam eles, mas sim que se levantem os outros.