Talvez (04 de janeiro de 2005) - Replay
Talvez se seja mais feliz sendo louco. Talvez valha mais a certeza do
incerto do que a incerteza do que é certo. As minhas memórias da
loucura estão escondidas através do dia-a-dia. Talvez tenha que mudar
de método, talvez tenha que mudar o meu discurso, talvez tenha que
mudar o meu pensamento. Talvez eu consiga ser outro sendo quem sou.
Tenho que me agradar a mim próprio para andar bem. Talvez eu deva
desistir de pensar que tenho de fazer qualquer coisa. Talvez eu tenha
que dar o braço a torcer. Talvez este mundo não me pertença. Tenho
que sair das sombras, estou farto desta escuridão. Tenho um longo
caminho a percorrer até ao sítio onde eu me vou encontrar bem, não
posso parar. Eles vão ganhar, vão levar a deles avante. Terei que me
vencer a mim próprio. EU SOU NORMAL. Não ando pelas regras dos
outros, eu próprio criei as minhas regras. Eu quero ser independente.
Eu parei no tempo em muitos aspetos. Eu sou finito. Todo o homem é
finito. Eu não poderei mudar o mundo. Mas porque a imagem pode?
Porque pode a palavra? Porque o muda o som? Porque o muda a técnica?
Porque eu não possuo um desses meios de mudar o mundo? É só sentir,
só absorver, é só esconder, como um bicho do mato. Como se o mundo
parasse de rodar quando eu desfalecesse, como se eu fosse ponto
fulcral, se é que o já não fui. Tudo o que fui a apagar-se, o tempo a
passar, e eu perco a partida. Como dar a volta, eis a questão?
A minha imagem não é a imagem de aparência. Ela é o retrato
de quem eu gostava de ser. A minha imagem traduzia-se pela perfeição.
Mas como eu posso ser perfeito se eu sou simplesmente um
humano? "Heaven is a place on earth". Talvez isso seja verdade,
talvez o paraíso seja um lugar na terra. Não, não sou feliz, não sou
bem-humorado, sou sério, a minha imagem não é o `faz ver'. Será que o
homem só pode estar ao pé do outro estando bem-disposto, com uma boa
imagem? Porque teima o homem em andar no mundo da ilusão? Já não é o
suor que une os homens, mas sim a boa aparência, a falsidade das
palavras. E a cada momento que passa ponho em hipótese se as minhas
palavras transmitem algo com sentido. Até parece que o Outono deixou
de ser Outono. Até parece que o Inverno se transformou em Verão e
vice-versa. Mas isso já não me preocupa. Talvez o que mais me
preocupa neste momento seja a minha sobrevivência.
As flores desabrocham, o sol nasce, a lua aclara a noite. A
noite mantinha o ritmo, a noite quebrou o ritmo. O mundo tem
perspetivas e perspetivas, as variáveis são imensas, as palavras já
serão poucas para descrever tudo. O mundo nunca será mais o mesmo. A
vida nunca mais será a mesma. Eu preciso de sobreviver, mas já não
sei como me aproximar dos homens, porque será que assim acontece? O
meu mundo desabou e não tem mais sentido como era. Mas novos mundos
podem surgir. Talvez eu já tenha perdido tudo o que tinha a perder.