Esquecer o que é negativo [Em retrospectiva- 2005]
Esquecer tudo o que é negativo. É um dos aspectos que tento implementar. Escrever menos, para não estar sempre a bater na mesma tecla. Mas de qualquer modo não consigo deixar de estar preocupado com tudo o que me rodeia. Antigamente era mais por uma causa geral, todas essas preocupações, mas neste momento, são mais por minha causa, pela minha sobrevivência, pelo meu bem – estar. Se bem que me entristece saber que tudo ruma para um fim. Primeiro virá o meu fim, mas o fim do mundo caminha a um ritmo muito mais rápido também. E fico triste ao saber desse fim, de que tudo o que era belo e perfeito vai ser destruído progressivamente pelo sonho do homem, pela busca desenfreada de poder, que acaba por ser uma causa de sobrevivência também, num grau de inteligência, cada vez mais, superior.
Há a sensação de que cada vez menos posso mudar-me, uma sensação que contrasta com a de quando estava a crescer e que me parecia que podia ser o que quisesse. Sinto as coisas por flashes e imagens que transitam muito rapidamente na minha mente, rápido de mais para eu as poder descrever. E eu compreendo, compreendo muito do que me rodeia, a essência das coisas, mais do que a simples aparência. Mas para que poria eu o mundo em causa? Para que desejaria tocar o infinito? O que me levou a tudo isso? De que serve ser-se mais inteligente se não se puder pôr isso em prática? Quem somos nós para dizermos que somos mais inteligentes do que outros, próximos de nós, se essa inteligência não nos torna auto – suficientes? Toda a vida só faz sentido em partilha com os outros, e mesmo, por maior inteligência que tenhamos, ela só faz sentido com a inteligência dos outros, a interacção com eles, com essas inteligências. E essa é precisamente a minha falha, a interacção com os outros é reduzida. E eu sinto a falta do contacto humano, sinto a falta de acreditar em alguém, do toque de outra pele, de conseguir olhar nos olhos de alguém que me olhe nos olhos com verdadeiro sentimento de que gosta de mim. Quanta gente gosta de mim, mas eu não posso ceder facilmente porque, muitos só gostam de mim por não lhes fazer frente e só querem aproveitar-se. Se eu conseguisse discriminar esses gajos, mas eu não consigo distinguir, tudo me parece com o mesmo interior, como o meu que é humilde, razoável, benfeitor, mas agora sei que isso não é verdade, as pessoas são todas diferentes, ou seja, já sei há muito que sou único, mas é como se não quisesse acreditar. Não acredito no homem como capaz de levar toda a vida a rumo certo. Acredito na diferença do homem que é cada vez maior, mais individualista.
E eu pus em causa o mundo e pus em causa a mim próprio. Atentei contra Deus pensando eu que o estava a testar, mas quem foi testado fui eu. Deus existe. E quando digo ‘atentei’, digo-o no sentido de provocá-lo dentro do meu pensamento, a que ele se manifestasse para mim, para que se mostrasse, para que me dissesse como era Ele, para que me falasse. E neste momento compreendo quem é Deus, se bem que não sei, nem sei se saberei, quais são as suas intenções para com o homem e o seu futuro. E sei que Deus neste momento me tem com Ele, sei que tenho muita pena de não poder estar com os homens. Neste momento tenho um pensamento esquizofrénico para o homem. Talvez os loucos e os doentes e deficientes estejam com Ele, conscientemente. E eu dizia no meu pensamento: ‘Se Deus existe então que eu morra já aqui’. E eu tornava-me cada vez mais forte interiormente, mas era uma falsa força. Desejei imenso que Deus me falasse como fez a tantos, como dizem as escrituras. Lembro-me de estar deitado, olhar para a pequena janela do meu quarto e imaginar como seria ver Deus, e o bom que seria vê-lo. Mas sentir Deus, dentro de nós, pode ser avassalador. Pode ser uma verdadeira depressão que parece nunca mais ter fim. E estar ao lado dele, observar o mundo segundo a sua perspectiva, pode ser horrível, ver tudo aquilo sem conseguir entender…