Vidas, essas
Não sou de ninguém, ninguém me pertence. A ninguém pertence o meu prazer, nenhum prazer, de alguém, me pertence. A promiscuidade anda ai, tão perto de quem está tão longe (ausente espírito em constante busca), como se todos fossem iguais. Eles dizem que é o amor, eles dizem que é a paixão, mas acho que eles não sabem o que dizem, dizem as coisas sem pensar, não pensam no que dizem. Eu estou errado, eles não! Eu sinto, eu também vivo, mas eles é que estão no caminho certo, eles é que vivem com sentido! Eles exageram no que dizem, simplesmente dizem, e têm que falar mas acabam por nada dizer, como eu, que nunca falo. E há quem perceba do mundo mais do que eu, mas afinal de que mundo se fala? Sente-se e distancia-se de nós como um desconhecido, mas sou eu que interpreto mal... Sente-se e foge-se do que se sente, não querendo assumir aquilo que é inverosímil. Pois eu confesso, não sei o que isso é. Tão perto se está, e tão longe! Se fosse palpável! Mas é volátil, como um momento inesquecível e irrepetível. Se não me olhassem como um asno, eu seria como toda a gente é, uma normal e vulgar pessoa, concreta e definida como qualquer outra. Mas teimam em fazer-me diferente, como tenho sido desde sempre - indiferente a qualquer diferença, indiferente à minha diferença, mas afinal o que é a diferença? - e sempre serei.
E vejo olhares perdidos no espaço e no tempo, o meu a cruzar todos eles, vejo de baixo, de cima, e de todos os ângulos onde a minha mente consegue abranger, cada vez mais, numa espiral sem fim. E dizem-me, isso faz-te mal, não o faças, segue o que é certo, aquilo que eu te digo, tu não estás bem, tens de pensar como o senso comum, tens de agir como os outros agem. O meu olhar tolda-se quando o meu mundo deixa de ser o que eu entendo dele. Ai, fico perigoso e em movimento, e só me destruo a mim próprio, como se fosse infiel à minha natureza, e afinal ela é como a de todos os homens. Quem não tem um fim certo? Exaspera-se enquanto se é vivo. Quanta exasperação em vão! Mas a dor leva-nos ao limite, se for esse o caso, para encontrar mais um momento de prazer.
Quanto desencontro neste mundo de encontros, quanta plenitude, num mundo cheio de vazio. De que serão feitas as cabeças desses homens? Vive-se segundo o que se acredita, porque não posso eu também viver segundo o que acredito? Ah, mas eu vou viver, eu um dia serei, eu atingirei uma meta não definida por mim a priori, mas que se define a cada passo que dou. Nada me pertence, mas pertenço a tudo. E continuo no fio da navalha. Continuo na corda bamba. Se chegar ao fim serei um herói, se cair, caio no vazio, mas na esperança de encontrar as águas deslizantes e profundas que me amortecerão a queda. Vivo na esperança da existência de um sustentáculo de tudo o que nos envolve e que permanecerá. Suporte complexo que nos dá a sensação de ser tão frágil ao mesmo tempo, quando se vê numa perspectiva maior.
Tão vazio, de cansaço, trago o toque na memória, das vidas, essas, que não consigo compreender, mas que não desistirei de alcançar. E no entanto pode ser para breve, o tudo ou nada. Um desperdício, uma pena, a beleza, a inteligência, as vidas. Somente, estar juntos, esses espíritos, em sintonia.