Agressão sem culpado
Se, simplesmente, pudéssemos fugir daquilo que nos apoquenta, que nos magoa, que nos oprime, que nos pisa, que nos afronta, que não conseguimos mudar, nós fugiríamos, sem dúvida alguma. Mas, fugir para onde (com as nossas limitações)? E mais: e fugir de nós mesmos?! Muita gente ainda deve pensar que o mundo é grande e que o Universo é incompreensível, duvidam de tais coisas como de o homem ter ido à lua, no sentido que tais entendimentos nos dão uma coerência da compreensão das coisas que, por sua vez, nos dá uma visão mais ampla de tudo o que os magníficos sentidos humanos nos dão a entender, como se não acreditassem no mundo em que vivem. Muita gente prefere a ignorância porque saber de mais faz mal (talvez porque não tem outro meio de a ultrapassar também, é certo); e eu digo: ‘Ó santa ignorância porque me abandonaste?’, como se eu soubesse muito; Porque tenho eu de saber mais do que o que posso saber? Porque tendo para o desequilíbrio entre a minha capacidade de sentir e o que realmente não sou capaz de ignorar de sentir? Que abismo é este que não me deixa ser feliz na ilusão? Mas, muita gente sabe muito mais do que eu e não tem desequilíbrios – o quanto, sinceramente, os invejo… -. Tento não me manifestar, na globalidade da ação da minha vida, como se de um espetador me tratasse, que assiste ao desenrolar da novela, do filme, da música, ou melhor, gostava de ser sempre um anónimo espetador, coisa que não posso ser, da mesma forma que o era em criança. Os sentidos do mundo caem sobre mim, e eu, eu não tenho capacidade de reação, eu não sei responder minimamente bem ao apelo que me é feito daquilo que me envolve. Responder aos apelos que o dia-a-dia nos trás é uma coisa séria, responder de acordo com as situações que nos ocorrem é uma tarefa para equilibrados que conquistam o mundo com o seu autodomínio. Respondes mal e és um homem acabado…; Que dizer da incapacidade de responder a uma agressão? O bullying? Uma guerra? O terror psicológico? Como responder a algo quando se está em inferioridade? Como se defende uma criança? Como responder ao mal com mal quando se tem amor à vida e ao bem, quando os ideais que nos movem são os da paz? Existem agressões que atuam mais subtilmente, que se dão como vindas de sistemas superiores que não são facilmente percetíveis, não é mesmo percetível a sua causa. Existem agressões que não se conseguem identificar de onde partem, tal é a teia que as envolve e disfarça? Mania da perseguição? Não, para mim existem agressões sem culpado… identificável. E eu sinto medo quando não compreendo as coisas, então, eu invento mitos e lendas para as explicar, eu invento histórias. Eu sinto medo, muito medo, um medo terrível e inexplicável por mitos, lendas ou histórias, porque erradamente aprendi que devia dar tanto valor à minha insignificante vida na imensidão incalculável do Universo, como uma criança que se acha no centro de tudo, especial, quando na verdade tudo é uma ilusão, quando na verdade não podemos ultrapassar as leis que regem o universo, a existência dos seres, ou seja, resumindo, tive azar. Como destruir a causa da agressão? Perguntando melhor: Como destruir a causa de uma agressão sem sermos feridos? Matar? Matar, matar, matar, matar!… guerra!… Perder o amor à vida(!), perder a piedade(!), matar a causa da nossa dor(!), esse desejo que em mim persegue; Resolveria alguma coisa matar? Talvez não, mas matar por necessidade assim como se defender por necessidade está na lei do mundo natural em que o homem tenta sobrepor com as suas leis onde consequentemente muitos desafortunados perdem esse direito de se defender vitalmente dos ataques à sua vida assim mesmo como atacar para suprimir as suas necessidades. Será a causa da nossa dor, essa mesmo que pensamos? Revoltamo-nos muitas vezes porque a agressão existe, mas a questão é: revoltamo-nos contra quem é o culpado, a causa da nossa agressão? ;E damos por nós a revoltarmo-nos contra quem nos ama, apesar de por sua vez haver formas muito duvidosas de amar, existem formas muito bizarras de amar, além de feitios que não se conseguem mudar, e nos causam frustração, raiva, angústia – muita angústia-, e nos infundem muito medo… se ao menos pudéssemos afastarmo-nos…
No meu transe, nesta minha vida, em que eu procuro a(s) causa(s) para aquilo que eu sou, neste meu desejo (talvez utópico) de que eu seja feliz ainda nesta procura de aceitação de como eu sou no mundo dos homens, eu mesmo tenho medo de mim, porque infundo medo no que me envolve, que num ciclo sem fim regressa a mim, destruindo-me, dia após dia, mas que não consigo evitar. Tenho medo de cada passo que dou, sei que não o darei bem, certo dos passos maus que tenho dado dia após dia, do azar que me persegue, nesta ilusão, que quando não puder ser sustentada, será cruel de mais, a dura realidade, se imporá muito mais dura que está a ser a minha vida atual. Sei que me abandonarão, se é que já não fui abandonado pela existência psíquica faz tempo. E, apesar de a morte ser certa, ninguém ousa indagar o que o sofrimento é. Certamente gostaria de mudar (obstinadamente) coisas difíceis de mudar, e mesmo que se consigam mudar, o preço da vida é alto de mais a pagar por essas mudanças, mas talvez seja a lei do mais forte e do mais fraco a funcionar, em que nós, para acrescentar à dificuldade que é suster a vida, temos ainda a nossa autoconsciência a infernizar o que deveria ser aceite naturalmente e imperceptivalmente, as leis da natureza.
As guerras mundiais existiram e nunca se sabe se existirá outra, outra vez; tenho como ideia minha de que a maior parte das guerras muitas vezes não são causadas por motivos maiores, digamos assim, por motivos que se possa fazer uma apologia, mas sim por ideais estúpidos e sem sentido, nacionalismos, ignorância e falta de sentido da beleza da vida e da apreciação da paz. O mundo dos homens sabedores compreende a finitude do nosso mundo e dão valor a vida e à paz como consequência da sua própria sabedoria. O mundo civilizado esgrima nas palavras a sua luta, a guerra que se dá entre ideais, essa é a guerra mundial nas ideias do momento. No meu desejo de criança utópica, em que um Deus faz parte de uma justiça a atingir, as agressões seriam justificadas por esse ideal máximo que seria esse Deus a atuar na imensidão do tempo, e a justiça seria feita nessa mesma imensidão do tempo. Mas, para minha angústia, dadas as contradições e realidades que se impõem na minha mente, naquilo que me é dado a conhecer, a dúvida torna-me inseguro e insignificante, e a minha luta pela sobrevivência poderá ser em vão.