Conversa de um Ensimesmado (2003)
[Demasiado concentrado em mim] Ensimesmado, assim ando sempre. Faço um esforço enorme para tentar sair desta concentração doentia. E a verdade é que não consigo sair dela, não consigo traduzir verbalmente as ideias que passam pela minha cabeça, não me consigo exteriorizar. É como se estivesse bloqueado. E quando tento exteriorizar-me é como se estivesse a arrancar alguma coisa do meu interior, a custo. Na minha mente passam pensamentos que diria anti-sociais, sou averso ao convívio social. Criei-me muito afastado do conceito social, talvez daí esta minha aversão, sinto-me melhor sozinho. Os meus pensamentos são profusos, intensos, mas muito misturados o que os torna confusos. Na minha cabeça passam pensamentos do tipo: “ninguém pode parar a evolução da humanidade.”; “Não tenho fé nos homens, vejo o seu futuro com pessimismo.”; “ vejo injustiças que nunca terão fim, homens que trabalham duramente a troco de um punhado de dinheiro e outros a usufruírem do trabalho dos primeiros, com uma vida fácil.
Quando tento abrir a boca acho que não digo nada de jeito, nada de interesse. Raramente vejo o meu futuro com optimismo, penso mesmo que jamais serei normal, ou melhor, jamais me sentirei normal. Conheço-me bem, e sei que não sou como os outros, mas não aceito essa diferença. Queria partilhar valores com os outros, mas os meus valores não são iguais aos do ambiente social em que vivo, parece-me mesmo que nem tenho valores. Compreendo cada vez mais a minha situação mas estou mais impotente para lutar contra ela à medida que o tempo passa. Tenho medo da loucura. Às vezes penso que devia fazer uma loucura, mas falta-me a energia. Não me queria apagar, passar por esta vida sem ser reconhecido socialmente, e essa é uma meta que a maioria das vezes me parece impossível. E esta insatisfação corroí-me, ter constantemente a minha mente com pensamentos de que sou inferior, de que não sou capaz. E há momentos em que a dignidade parece-me fugir. Sinto-me humilhado em mim próprio, e sei que não há razão para isso, ou haverá?
Para que sinto o mundo da maneira que sinto, tão intensamente? A minha percepção corporal ou física do mundo anda distorcida. Ou será o mundo exterior a mim que anda distorcido?